sábado, abril 18, 2009

Distante melodia

Paris 1914 - junho 30


"Num sonho d´Íris morto a oiro e brasa,
Vêm-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.


Então os meus sentidos eram cores,
Nasciam num jardim as minhas Ânsias,
Havia na minha alma Outras Distâncias -
Distâncias que o segui-las era flores...


Caía Oiro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
– Noites-lagoas, como éreis belas
Sob terraços-lis de recordar-Me...


Idade acorde d´Inter-sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz – anseios de Princesa nua...


Balaústres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume...
Domínio inexprimível d´Ópio e lume
Que nunca mais, em cor, hei-de habitar...


Tapetes de outras Pérsias mais Oriente...
Cortinados de Chinas mais marfim...
Áureos Templos de ritos de cetim...
Fontes correndo sombra, mansamente...


Zimbórios-panteões de nostalgias,
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar...
Escadas de honra, escadas só, ao ar...
Novas Bizâncios-Alma, outras Turquias...


Lembranças fluidas... cinza de brocado...
Irrealidade anil que em mim ondeia...
– Ao meu redor eu sou Rei exilado,
Vagabundo dum sonho de sereia..."



Mário de Sá-Carneiro, Poemas Completos, Edição Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim, 2001

1 comentário:

cláudia disse...

Sou tua fã n.º 1. Bem... de ti, não do Mário. Apesar de adorar a escrita dele. Já li primeiros contos. Recomenda-se :)