Li, já tem algum tempo, um artigo na revista Visão, sobre a fome em Portugal. Nada do que lá vinha era novidade, sendo que o artigo debruçava-se sobre novos pobres.
Mas, estranhei o facto de ao ler o tal artigo já não conseguir comover-me (coisa que antes me deixaria completamente abalada, revoltada, com vontade de sair à rua e sacudir este meu País). Comecei a pensar que eu não poderia estar a mudar assim tanto, algo se passaria comigo para não reagir como dantes. Bem, facto é que, diariamente, sou (e todos somos) bombardeada com notícias sobre a crise, a financeira, a económica, a social. Provavelmente todas essas notícias têm um efeito amortecedor, atordoam-me.
No entanto, e passado mais de três semanas sobre a referida leitura, cá estou eu a tentar a reflectir sobre a fome, e sendo esta reflexão, fruto da leitura do dito artigo (só pode).
Afinal, não estou assim tão “amortecida”.
A fome parece estar a assumir características novas, ela já era a fome daqueles que trabalham e não têm mais qualquer tipo de apoio, e que mesmo assim o dinheiro não dá para os gastos, e que se não fosse a ajuda da família mais próxima os fracos alicerces, já débeis, daquele agregado familiar ruiriam por completo; a fome daqueles que não querem trabalhar, até porque trabalhar implicaria perderem o direito aos vários tipos de apoios que, mensalmente recebem, e que mesmo assim não conseguem gerir os mais de 1000€ que lhes entra todos os meses pela porta dentro; a fome de uma classe média empobrecida (que vê agravada a sua fome) que avoluma o número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza.
É certo que todos temos de comparticipar na recuperação do meu Portugal.
É certo que o meu Portugal está em ruptura e é preciso agir.
Também é certo que é necessário aumentar a taxa de esforço.
É certo que se diz que a taxa de esforço (IRS, IVA, …) não é igual para todos, embora se olhar para o IVA esta certeza caia por terra.
O que não é certo é, nem lógico, nem sequer é um razoável acto gestionário, é aplicar uma taxa de esforço (por menor que ela seja, por mais indirecta que seja aplicada) a quem já não tem no que aplicar.
Um exemplo simples:
Um agregado familiar, da dita classe média baixa, (pai, mãe e filho menor, ele desempregado há mais de três anos e à procura de emprego) que esteja com um rendimento mensal de 500€. A renda da casa (de duas divisões) leva-lhes 400€ (não conseguem mudar para outra pois, de acordo com as regras, é necessário adiantar 2 meses de renda). Assim sobra-lhes 100€, os quais ainda têm de descontar a água, o gás e a luz, cujos consumos estão reduzidos ao mínimo. As luzes abrem-se quando já está noite, e a televisão já não existe, o principal consumidor lá de casa é o frigorífico velho que no silêncio da noite marca a sua presença.
O que sobra?
Mas o que é que sobra para que a tal “pequena” taxa de esforço possa ser aplicada?
Não posso continuar este exercício.
1 comentário:
Ao longo dos últimos 36 anos, a contar a partir de 25 de Abril de 1974, foi-nos pedido muito esforço (com mais ou menos taxa), muito sacrificio (com mais ou menos dor), muito trabalho (fisico e intelectual). Na verdade nunca foi um pedido, foi sempre uma exigência. E tudo sem retorno. Não há melhor formação nem instrução. Não há melhorias vizíveis nas condições de trabalho. O tecido social degrada-se a cada dia. Os agentes politicos não são confiáveis. E os agentes económicos quando não confiam, não investem.
Um dia os portugueses cansam-se de Portugal ser uma país de inevitabilidades dramáticas.
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